A pulsão da transformação é a pulsão da vida.
Não há viver sem emendar-se nas mudanças.
Vendo a água escorrendo pelo meu nariz formando pequenas gotas d’águas no chão do banheiro – hora junta tudo, hora separa tudo.
Inspira, expira.
A calma, como forma de ser, parece envelopar a vida em tons amenos, a temperatura é morna, o silêncio quase que densifica na atmofera. Os ruídos se distanciam. No vão que sobra não fica nem alegria nem tristeza. Quase dá sono.
Esse sentimento, mesmo se durar segundos, muda todo o rumo de um dia.
Hoje meditei na luz baixa da manhã, sentei em posição de lótus, sem cruzar as pernas, com os pés apoiados no chão. Sentindo o sol na pele, deixando os pensamentos criarem formas como nuvens que a um certo olhar contornam algo que supomos.
Mas também senti muita raiva.
Cabem muitas emoções em um intervalo curto de espaço e tempo.
A presença de um não destrói o outro. As emoções são camadas sobrepostas.
Intercalando a raiva com a calma, presenciei um fenômeno que gostei de reconher como raiva consciente.
Integrar o sentimento rompante da raiva me colocou num estado de autoaceitação quase absoluta, no qual me expressar parecia ser a única forma legítima de ser eu.
E assim o fiz.
Logo depois, recebi a newsletter da Sophia: sobre sentir raiva.
Organizando as reflexões por extenso…
A raiva, como forma de ser, parece fragmentar a vida em tons abruptos, misturando paletas desconexas que resultam num incômodo visual, um desejo urgente de mudar alguma coisa de lugar. E aqui a mente se comporta como um cardume fugindo de um predador.
Com o instinto ativado, uma ação impensada pode nos salvar de um cenário trágico.
Penso quantas vezes a raiva salvou nossa espécie – e ainda salva.
Penso a partir de quando amaldiçoamos essa energia, essa potência, rotulando rompantes coléricos como meramente nocivos, desequilibrados, descomedidos.
A quem esse exerício de controle beneficia?
A raiva, como qualquer outra emoção, é também uma ferramenta.
De entendimento, de retomada, de delimitação de território.
Ela irrompe quando nos sentimos invadidos, lesados, ameaçados. Ela irrompe quando queremos muito alguma coisa.
Quais as consequências de silenciar isso dentro de nós?
Nada é uma coisa só
Parece que o que tange o instinto, o primitivo, é considerado perigoso.
A raiva é revolucionária, e a revolução só é perigosa praqueles que detêm algum poder ou privilégio.
Veja que, puramente, ela é benéfica.
O que a transforma em nociva são as outras emoções que se associam à ela.
Como as outras emoções, a raiva nasce como uma consequência natural de certos contextos, se ela é inevitável, ela é necessária.
Desejar não é controlar
Ainda que a raiva não deve imperar nada, ela desbrava a mata fechada.
Mas fomos instruídos a domá-la ao primeiro sinal, tal qual o animal mais selvagem.
Mas se esse selvagem emerge de nós, e dialoga com quem somos, quando resistimos à raiva, não estamos também resistindo a nós mesmos?
O que a raiva desbrava quando você solta as amarras?
O selvagem é também o inesperado. E o inesperado é – tantas vezes, injustamente classificado como indesejado ou incômodo.
Criando esse medo da manifestação da própria raiva, estamos realmente com medo de quê?
Criando esse medo do inesperado, involuntariamente estancamos o pulsar natural da vida e todos seus mistérios.
Viver é inesperar.
Uma prece
Aprendendo a conduzir sentimento da raiva, associado a outros, facilitamos o desbravar do desconhecido – dentro e fora de nós.
A raiva com a curiosidade, pra evocar a coragem.
A raiva com a persistência, pra romper a margem dos impossíveis.
A raiva com o amor, pra revolucionar através do afeto.
Que a partir dessa linha sua raiva tenha outra roupagem e que ela, guiada pelo bem, te arranque do que é ilusoriamente cômodo e rasgue caminhos mais verdadeiros.
acho que vou retornar a essa edição de tempos em tempos, porque há muito a internalizar sobre minha raiva...
amo tudo que escreve, e pra mim é a melhor leitura de newsletter que tive este ano. muito obrigada 🥺🏅🧡